O impacto das concentrações de ácidos gordos poliinsaturados (PUFA) do leite materno na icterícia ne
A composição dos ácidos gordos no leite materno vem sendo destacada recentemente como um dos principais fatores dietéticos contribuintes para a modulação das concentrações séricas de bilirrubina (BL), as quais uma vez aumentadas determinam a icterícia em recém-nascidos.
O metabólito BL é produto da degradação da hemoglobina, uma metaloproteína constituída principalmente por ferro, presente nos nossos glóbulos vermelhos e principal responsável pelo transporte de oxigênio na circulação sanguínea. O aumento desregulado de BL no recém-nascido determina um quadro clínico de icterícia neonatal, caracterizado principalmente por seu efeito tóxico ao nível do sistema nervoso. Os efeitos deletérios podem incluir problemas neurológicos, como a encefalopatia aguda.
Apesar de já estar bem estabelecido que a composição nutricional do leite materno pode contribuir para o aumento das concentrações de BL no recém-nascido, não se sabia até então qual o mecanismo exato subjacente ao fenómeno clínico em si. Sabia-se que o gene que codifica a proteína uridina difosfato glicorunil transferase 1A1 (UGT1A1) é o que regula a variação das concentrações de BL.
Os ácidos gordos são essenciais para o desenvolvimento do feto e do recém-nascido: uma carência nesse período pode provocar inúmeros distúrbios como dificuldades de aprendizagem, perturbações do comportamento e da visão. Um artigo publicado na revista Scientific Report, do grupo Nature, em 2013, discutiu este tema e avaliou os efeitos dos ácidos gordos na atividade da UGT1A1. Os pesquisadores primeiramente identificaram associação direta entre as concentrações de PUFA no leite materno com a atividade da enzima UGT1A1. Constataram que baixas quantidades dos ácidos oleico (ómega-3), linoleico (ómega-6) e docosa-hexaenóico (DHA) do leite materno (inferior a 1% dos ácidos gordos livres no leite), inibem a actividade da UGT1A1 humana (hUGT1A1) em modelos animais e in vitro. Ainda, após exposição de camundongos hUGT1A1 (modelos para estudo de icterícia humana) a uma dieta com altas concentrações de ácidos gordos insaturados (0.1–10 g/kg), identificaram expressão aumentada da UGT1A1 no fígado e no intestino delgado, resultando na diminuição das concentrações plasmáticas de BL [1].
Estes resultados sugerem que a concentração de PUFA no leite materno contribui para o desenvolvimento da icterícia neonatal. Isto parece significar dizer que uma vez que a mãe apresente baixas concentrações de PUFA no leite materno, os níveis de expressão do gene UGT1A1 (ENSG00000241635.6) poderão estar mais elevados no bebé e, consequentemente, a sua suscetibilidade para desenvolver icterícia no período neonatal será maior.
Mas fica uma pergunta: de que forma os ácidos gordos conseguiriam chegar ao núcleo da célula e ativar a expressão do gene UGT1A1? Os investigadores também se questionaram acerca disto e identificaram que um possível mecanismo é a ligação dos PUFA com os principais receptores nucleares de lipídios, os receptores ativados por proliferador de peroxissomos (PPAR), que estão localizados na região regulatória do gene UGT1A1.
Este estudo remete-nos para a importância da alimentação materna e o impacto significativo que esta pode desempenhar sobre o estado de saúde da criança sob uma perspetiva nutrigenómica. Os PUFA, neste caso, parecem ser capazes de regular a expressão genética, determinando as concentrações de metabólitos BL e a consequente icterícia neonatal.
A utilidade clínica destes biomarcadores genéticos representa uma das importantes ferramentas da nutrigenómica, pois viabiliza personalizar as terapêuticas nutricionais sob a perspetiva da interação entre genes e nutrientes. No caso específico da icterícia neonatal, o conhecimento do genótipo do bebé e da composição nutricional do leite da mãe seria crucial para a elaboração de um melhor plano alimentar que atendesse às necessidades específicas de ácidos gordos tanto da mãe quanto do bebé, com base no genótipo de cada um e, assim, aprimorar a intervenção terapêutica dietética no sentido de reduzir o risco ou tratar a icterícia neonatal.
[1] A. Shibuya, T. Itoh, R. H. Tukey, R. Fujiwara. Impact of fatty acids on human UDP-glucuronosyltransferase 1A1 activity and its expression in neonatal hyperbilirubinemia. Sci Rep 3, 2903 (2013).