Influência da variação genética humana sobre as necessidades nutricionais de cada indivíduo
Ciência da Nutrição se encontra em uma fase de avanços importantes. A partir da transição da fisiologia e epidemiologia clássica para a biologia e genética molecular, se reconhece a complexa relação entre o genoma e a exposição dietética ao longo da vida e seus efeitos sobre o estado de saúde de um indivíduo [1].
As recomendações nutricionais preconizadas pela IOM-DRI (Institute of Medicine –Dietary Reference Intake) [2] representam a melhor tradução atual do conhecimento nutricional na prática clínica [3]. Entretanto, sabe-se que as necessidades nutricionais apesar de serem generalizadas para a população como um todo, foram definidas a partir da avaliação de subgrupos específicos da população, como idosos e mulheres em período gestacional ou lactantes. Nesse contexto inserem-se os aspetos genéticos e moleculares, os quais desempenham papel importante sobre as necessidades nutricionais humanas. Isto porque em alguns subgrupos populacionais e/ou até mesmo individualmente, as características genéticas podem influenciar nas funções de um determinado nutriente sobre o metabolismo, reforçando a necessidade de se revisar as atuais recomendações nutricionais [1].
Atualmente, as necessidades de ingestão médias estimadas são usadas para definir os valores de referência dietéticas, porque até então cientistas não conseguiam identificar adequadamente os subgrupos da população que diferem na necessidade aumentada ou diminuída de um nutriente. A fim de assegurar que os indivíduos ingiram quantidades adequadas do nutriente, os níveis de ingestão recomendados acabam, por exemplo, excedendo a ingestão real necessária para a maioria da população. Como resultado, os níveis de ingestão de nutrientes podem atingir valores tão elevados que são ou inatingíveis com a dieta ou metabolizados com importante toxicidade ao organismo. Além disso, quando existe uma grande variação individual em resposta a um nutriente, análises estatísticas diferem frequentemente para um efeito nulo [1].
Uma vez que é possível identificar subgrupos comuns que diferem em exigências nutricionais utilizando ferramentas de nutrigenética e nutrigenómica, intervenções e recomendações específicas de ingestão de nutrientes podem ser refinadas.
Um dos fatores que explica a diversidade entre as pessoas é o genótipo. Com exceção de gémeos idênticos, cada um apresenta uma singularidade genética. Esta é, em parte, resultado de variações na sequência de nosso DNA, no qual um nucleótido é substituído por outro em localizações específicas do nosso genoma. Em alguns casos, estas variações sequenciais ou polimorfismos de nucleótido único (SNP) alteram a estrutura e a função do produto génico, que, subsequentemente, podem alterar o metabolismo e a necessidade de ingestão de nutrientes. Em doenças de alta complexidade, nenhuma mutação em especial é unicamente necessária ou suficiente como seu agente etiológico. A modulação da susceptibilidade, gravidade e manifestações clínicas da doença dá-se pela combinação de mutações herdadas ou adquiridas em mais de um gene com marcas epigenéticas e agentes ambientais, incluindo a alimentação [3].
Na atual era genómica, observa-se um anseio científico em identificar variantes génicos que contribuam para manutenção do estado de saúde e/ou no desenvolvimento de patologias. Técnicas moleculares em genética de populações emergiram potencialmente, neste sentido, para discriminação dos efeitos da variação alélica genómica sobre o fenótipo. Entretanto, a caracterização dos efeitos funcionais destas variantes na progressão de inúmeras patologias permanece ainda pouco elucidada. Para este fim, uma ampla base de dados com variantes de DNA genotipados entre milhares de casos e controles está sendo construída pela comunidade científica, com particularidade aos projetos HapMap, GWAS e 1000 Genomes. Este último teve como premissa capturar mais de 98% dos SNPs acessíveis e funcionais em uma frequência de 1% ou mais em 1,092 indivíduos de 14 populações mundiais. Isto, por sua vez, vem permitindo o melhor delineamento de investigações de associação genética com doenças em populações [4].
Um dos principais desafios para a tradução e aplicação da nutrigenética na clínica provém do impacto destes estudos pois, por exemplo, a associação entre SNP e fenótipos depende das análises de perfis de SNP e outros variantes genéticos em todo o genoma em milhares de indivíduos. E ainda mais recentemente tem sido reforçado que o valor preditivo de uma variante genética pode ser melhorada pela combinação de loci múltiplos simultaneamente em um modelo de escore de risco genético [5].
Ou seja, apesar de se reconhecer o impacto importante que a Genómica Nutricional exerce sobre a individualidade genética na resposta a um padrão de alimentação ou intervenção nutricional, há ainda muitos aspetos que precisam ser esclarecidos, principalmente a tradução destas evidências que possa de forma simples e precisa ser utilizada na prática clínica.
Equipa NutriGenome
Referências:
[1] García-Cañas V, Simó C, León C, Cifuentes A. Advances in Nutrigenomics research: novel and future analytical approaches to investigate the biological activity of natural compounds and food functions. J Pharm Biomed Anal. 20;51(2):290-304. 2010
[2] Institute of Medicine (IOM). Dietary reference intakes (DRIs) reports: 1997; 1998a; 2000a; 2002a; 2002b. Washington (DC): National Academy Press. Disponível em: http://iom.nationalacademies.org/Reports.aspx?Series=%7B508F5CFF-EE88-4FF6-92BF-8D6CAB46F52E%7D&page=1
[3] Stover PJ. Influence of human genetic variation on nutritional requirements. Am J Clin Nutr. 83(2):436S-442S, 2006.
[4] West AA, Caudill MA. Applied choline-omics: lessons from human metabolic studies for the integration of genomics research into nutrition practice. J Acad Nutr Diet. 2014 Aug;114(8):1242-50.
[5] 1000 Genomes Project Consortium, Abecasis GR, Auton A, Brooks LD, DePristo MA, Durbin RM, Handsaker RE, Kang HM, Marth GT, McVean GA et al. An integrated map of genetic variation from 1,092 human genomes. Nature. 491(7422):56-65, 2012.