Fatores genéticos, epigenéticos e metagenómicos implicados no risco cardiovascular.
As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de morte no mundo. Um corpo crescente de evidências vem ressaltando que além do estilo de vida inadequado (ex.: sedentarismo, tabagismo, alimentação inadequada), de variantes genéticas de risco e mecanismos epigenéticos, o microbioma humano também está associado à etiologia da doença. A fisiopatologia das DCV frequentemente consiste num perfil imunoinflamatório exacerbado e de estresse oxidativo marcado ao nível da endotelial e vascular, levando principalmente a disfunção endotelial que precede a aterosclerose. Entre os factores que desencadeiam a resposta inflamatória vascular mediada principalmente pelas interleucinas IL6, IL8, IL1β, pelo fator de necrose tumoral α (TNFα) e moléculas de adesão vascular (como a VCAM1), incluem-se o tabagismo, a obesidade, a hipertensão, a dislipidemia e a hiperhomocisteinemia. Este texto pretende elucidar sobre a importância dos factores ambientais e genéticos na determinação da susceptibilidade e fenótipo cardiovascular. Daremos aqui especial atenção à potencial associação entre hiperhomocisteinemia e DCV. A homocisteína é uma molécula sulfurada que em concentrações elevadas induz à lesão inflamatória comprometendo a integridade do endotélio, contribuindo para um maior risco de doenças coronarianas e acidente vascular cerebral. A homocisteína está intimamente relacionada ao metabolismo do folato e fatores genéticos, epigenéticos e metagenómicos estão implicados na regulação desta via. Nutrientes que agem como cofatores na via do metabolismo da homocisteína, tais como betaína, vitamina B12, colina e ácido fólico são necessários para estabelecer e manter o estado adequado de metilação no DNA e modificações pós-tradução de histonas. O folato circula no sangue sob a forma de 5-metiltetrahidrofolato (5-MTHF). O aspeto interessante deste metabólito no contexto epigenético é que fornece grupos metilo necessários para a remetilação da homocisteína gerando metionina, auxiliando na manutenção da atividade adequada da S-adenosylmethionine (SAM). A SAM é essencial no processo de metilação do DNA pois é a principal doadora de grupos metilo paras enzimas DNA metiltransferases (DNMT) responsáveis pela metilação do DNA. E qual a principal via limitante do metabolismo do folato e disponibilidade de homocisteína para o organismo? É bem estabelecido que a enzima 5,10 – metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR) regula o metabolismo do folato, catalisando a redução de N5,N10 – metilenotetrahidrofolato a N5-metiltetrahidrofolato, gerando a forma ativa de ácido fólico necessária para remetilação de homocisteina em metionina. Entretanto, polimorfismos no gene MTHFR determinam a eficiência com que cada indivíduo processa o folato, permitindo identificar grupos de risco com requerimentos nutricionais específicos. Um exemplo é o polimorfismo C677T no gene MTHFR, identificado em 1995, (rs1801133), que resulta da substituição de uma citosina (C) por uma timina (T) na posição 677, com consequente substituição do aminoácido Alanina por um Valina no códon 222, determinando menor estabilidade da enzima e menores concentrações plasmáticas de folato e maiores de homocisteína. Este polimorfismo conduz a um decréscimo de 30 % até 65% da actividade desta enzima quando comparados com indivíduos sem o alelo mutado (CC - homozigótico wildtype). A baixa eficiência do enzima MTHFR conduz a uma acumulação da homocisteína, conduzindo a uma maior suscetibilidade para o desenvolvimento de DCV. Quando conectamos as variantes genéticas neste processo, podemos conseguir perceber quais os grupos populacionais que podem estar em maior ou menor risco de terem essas marcas epigenéticas alteradas. Recentemente importantes evidências vêm constatando a importância do microbioma humano em inúmeras patologias de caráter complexo, como a obesidade. É aqui que entra o que se entende por metagenoma, que corresponde aos marcadores genéticos da nossa microflora intestinal.
A microflora intestinal apresenta efeitos a nível nutricional, fisiológico e imunomodulador e possui 3,3 milhões de genes, isto é, 150 vezes mais que o genoma humano. Apenas recentemente e graças às novas tecnologias “omics”, foi possível caracterizar e estudar as diferentes espécies aí presentes, assim como as suas funções na saúde.
A flora intestinal humana que pode ser classificada em três grupos intestinais ou enterotipos: Bacteroides (enterotipo 1), Prevotella (enterotipo 2) ou Ruminococcus (enterotipo 3). Estes grupos diferem pela forma como obtém energia dos nutrientes disponíveis no trato gastrointestinal e pela capacidade de sintetizar diferentes vitaminas. O enterotipo 2 é mais hábil na síntese de vitamina B1 e folato, por exemplo. Assim sendo, um indivíduo que requer mais folato na sua dieta, beneficiaria mais do enterotipo 2 porque é o produtor mais eficiente de folato. Assim sendo, a microbiota intestinal pode interferir com a biodisponibilidade de determinados nutrientes. Ainda não se sabe ao certo se tais biótipos poderiam de alguma forma se associar à regulação do metabolismo da homocisteína e contribuir para identificar os grupos de risco que se beneficiariam ou não com a suplementação de folato.
Os polimorfismos no gene MTHFR podem variar a eficiência com que cada indivíduo processa o folato e, interferir consequentemente na biodisponibilidade de outras vitaminas e metabólitos críticos associados a DCV, como a homocisteína. Isto porque além do folato, outras vitaminas do complexo B (vitaminas B6, B12) são importantes co-cofatores necessários à actividade de diferentes enzimas envolvidas nos ciclos de metilação. É importante relembrar que existem outros genes envolvidos no risco cardiovascular como o gene apoE 4, apo A-1, IL-1, ABCG5. Espera-se, portanto, que o conhecimento do perfil genético associado ao metabolismo do folato e homocisteína combinado aos marcadores epigenéticos representem não somente indicativos de indivíduos que se beneficiariam de estratégias nutricionais personalizadas de rastreio dos grupos de risco com DCV, mas também auxiliar na prevenção do risco de desenvolvimento de doenças na população saudável, direcionando-se as recomendações nutricionais de acordo com o genótipo. A combinação destes marcadores genómicos nutricionais com um conhecimento mais aprofundado ao nível metagenómico também contribuirá para elaboração de dietas personalizadas que busquem minimizar o risco de DCV, actuando como terapia primária prevenção ou até de tratamento da doença. Talvez isso seja possível num futuro próximo, pois a comunidade científica sugere que a manipulação dos enterótipos poderá ser realizada por meio de terapias probióticas, prebióticas, simbióticas específicas e/ou do transplante fecal. Mas ainda estamos a caminhar para isso. Equipa Nutrigenome Referências: Lucock M, Yates Z. Folic acid - vitamin and panacea or genetic time bomb? Nat Rev Genet 2005;6(3):235-40. Frosst P, Blom HJ, Milos R, Goyette P, Sheppard CA, Matthews RG, et al. A candidate genetic risk factor for vascular disease: a common mutation in methylenetetrahydrofolate reductase. Nat Genet 1995;10(1):111-3. Niculescu, M.D.; Zeisel, S.H. Diet, methyl donors and DNA methylation: Interactions between dietary folate, methionine and choline. J. Nutr. 2002; 132 (8 suppl): 2333S–2335S. James SI, Melnyk S, Pogribna M, Caudill MA. Elevation in S-adenosylhomocysteine and DNA hypomethylation: potential epigenetic mechanism for homocysteine-related pathology. J Nutr 2002;132(8 Suppl.): 2361S-6S McKinley, M.C., Nutritional aspects and possible pathological mechanisms of hyperhomocysteinaemia: an independent risk factor for vascular disease. Proc Nutr Soc, 2000. 59(2): 221-37. CORDIS: Servicio de información en I+D Comunitario. Las bacterias intestinales se dividen en enterotipos. 2011. http://www.madrimasd.org/