O impacto da epigenética na variabilidade genética em resposta à alimentação
É reconhecido que uma alimentação equilibrada nutricionalmente contribui na redução do risco de desenvolvimento de inúmeras doenças. Contudo, deve-se ressaltar que a sua implicação sobre o estado de saúde a longo prazo depende da interação de múltiplos fatores ambientais e genéticos. Todos os alimentos passam por muitas transformações bioquímicas no nosso sistema digestivo, e não está ainda claro quais e quanto dos compostos activos libertados no trato gastrointestinal realmente alcançam os seus alvos moleculares[1].
Nos últimos anos, um conjunto de evidências sugerem que alterações em genes-chave relacionados com a absorção, distribuição, metabolismo e excreção de nutrientes contribuam para esta variação na resposta metabólica à exposição nutricional. Temos como exemplo os polimorfismos de nucleótidos únicos (single nucleotide polymorphisms, SNPs), ou seja, variações na sequência de aminoácidos que constituem a molécula do DNA, na qual um nucleótido é substituído por outro em localizações específicas.Tais SNPs, associados ou não a outros múltiplos fatores como etnia, género e grupo etário, podem categorizar indivíduos em grupos que absorvem ou metabolizam mais ou menos determinados nutrientes [1].
As variantes genéticas presentes nos genes que codificam a enzima glutationa S-transferases (GST), por exemplo, desempenham papéis importantes na biodisponibilidade de glucosinolatos e isotiocianatos oriundos de vegetais crucíferos, como os brócolos[2,3], assim como se observa variantes genéticas nos genes que determinam o influxo e efluxo de esteroides vegetais ao nível intestinal. Esta individualidade genética justifica em partes o porquê de nem todos os indivíduos se beneficiarem com a introdução destes e outros compostos bioativos presentes nos alimentos.
Foi descrito que variações interindividuais associadas com o polimorfismo ABCG8 (T400K C>A, rs4148217) e o haplótipo NPC1L1 (L272L 872 C >G, rs2072183) estão significativamente associados com alterações no perfil lipídico em resposta ao consumo de esteróis vegetais [4]. No referido estudo, homens hipercolesterolêmicos foram suplementados com 2 g / dia de fitoesteróis por 4 semanas. No final do estudo, os indivíduos heterozigotos para o polimorfismo ABCG8 T400 K não beneficiaram com o aumento consumo de fitoesteróis, pois os níveis séricos de colesterol foram reduzidos minimamente em comparação com os portadores homozigotos. Em contraste, entre os portadores heterozigotos do haplótipo NPC1L1 L272L foi observada uma importante redução do colesterol plasmático em comparação com os portadores homozigotos. Os resultados obtidos sugeriram ainda que os efeitos dos SNPs investigados sob a redução esperada dos níveis de colesterol após intervenção dietética com fitoesteróis dependem das concentrações plasmáticas basais de fitoesteróis anteriormente ao início da intervenção dietética [4].
Ao irmos um pouco mais além no que inclui as atividades regulatórias do metabolismo lipídico ao nível intestinal , verificou-se que uma das vias chaves reguladoras dos mecanismos de absorção e metabolismo lipídico é a dos receptores activados por proliferador de peroxissoma (PPAR - Peroxisome proliferator-activated receptor). Os PPAR são factores de transcrição que pertencem à superfamília dos receptores de hormonas nucleares e regulam a expressão de diversos genes envolvidos nos processos metabólicos que estão potencialmente associados ao risco de desenvolvimento de disfunções endócrinas, incluindo dislipidemias, diabetes e obesidade [5]. Todos os PPARs heterodimerizam com o receptor de retinóide X (RXR) e ligam-se a regiões específicas do DNA de genes-alvo, denominadas elementos de resposta a hormona pelo proliferador de peroxissoma (PPREs).
Um tipo de PPAR, o PPAR-α, é um factor de transcrição, altamente expresso no interior dos enterócitos intestinais bem como ao nível hepático, que regula o metabolismo dos lípidos, hidratos de carbono e aminoácidos. O PPAR-α, em particular, é activado principalmente pelos leucotrienos B4, um dos mediadores inflamatórios produzidos a partir da oxidação do ácido araquidónico, metabóltio da via de oxidação dos ácidos gordos ómega-6. Uma vez que o ligante de PPAR-α esteja presente, ele se liga ao seu PPRE específico dando início à sua transcrição e expressão protéica. Há evidências, no entanto, de que variações genéticas no gene PPAR-α regulem essa atividade para mais ou menos, influenciando as concentrações plasmáticas lipídicas no estado de jejum e pós-prandial, e consequentemente modificando o risco de desenvolvimento de dislipidemias e doenças cardiovasculares. [6]Por exemplo, a substituição do aminoácido leucina por valina na posição 162 (L162V, rs1800206) leva a um aumento da atividade do PPAR-α, que dependendo da concentração dos seus ligantes específicos [7], podem estar implicados com o aumento da produção dos mediadores inflamatórios e consequentemente exacerbar um processo inflamatório.
No entanto, várias evidências sugerem que alterações epigenéticas também contribuam para esta e outras variações na resposta nutricional contribuindo para esclarecer porque algumas pessoas podem estar a consumir um determinado nutriente e não obtêm os benefícios esperado sobre o estado de saúde, enquanto outras podem até mesmo serem prejudicadas [8,9]. O termo 'epigenética' foi introduzido por Conrad Hal Waddington para descrever processos fisiológicos que associam o epigenoma com diferentes fenótipos em cada indivíduo, e que ocorrem independentemente de alterações no código genético. Entre estas modificações epigenéticas incluem: pequenas moléculas de RNA não-codificantes (microRNAs), atuantes no silenciamento de RNA e regulação pós-transcricional da expressão génica; alterações nos níveis de acetilação ou metilação de resíduos de aminoácidos localizados em regiões terminais das proteínas histonas, que dependendo do tipo e posição de aminoácido modificado pode promover a inibição ou ativação genética; e os níveis globais de metilação do DNA que quando aumentados correlacionam-se com a regulação negativa da transcrição genética. Nos últimos anos, as epimutações, ou seja, a introdução ou remoção de grupos metil em dinucleótidos CpG localizados nos loci gênicos de SNPs específicos também têm sido alvo de muita especulação científica. Isto porque podem representar um potencial mecanismo pelo qual as alterações no código genético alteram a função de um determinado gene. [10]
É o que tem sido sugerido com a regulação da expressão de proteínas codificadas pelo gene PPAR-α, dependendo do tipo de dieta consumida. Um estudo em modelo animal demonstrou que certas condições nutricionais, como o consumo prolongado de uma dieta restritiva à proteína em 50%, podem produzir efeitos duradouros sobre a expressão do gene PPAR-α por meio de modificações no perfil de metilação de seu locus genómico específico. [11] No referido estudo, ratas foram alimentadas com uma dieta restrita de proteína em 50% durante a gravidez. Após o desmame, identificou-se que a prole apresentava redução significativa dos níveis de metilação do promotor do gene PPAR-α e consequente aumento em cerca de 11 vezes de sua expressão hepática, [11] demonstrando que não só as variantes genéticas estão envolvidas com a regulação da expressão deste gene em particular.
Estudos como estes destacam-se por tentar explicar o ideal funcionamento metabólico de um nutriente em distintos contextos fisiológicos que pode ser regulado ou não pelo nosso background genético e/ou epigenético. A nutrição personalizada ultrapassa a questão de conhecermos apenas o perfil genético de cada indivíduo para otimizarmos uma prescrição dietética individualizada. Muitos pormenores ainda não explicados estão sublinhados atrás do nosso genoma. Até o presente momento a relação do tipo de microbiota intestinal[12] com doenças inflamatórias ao nível intestinal [13], obesidade[14] e cancro[15] têm sido alvos de importante investigação.
Cada vez mais as evidências científicas destacam a necessidade de se tentar compreender como a interação genética-epigenética e nutrição contribuem na manutenção do estado geral de saúde e modificação da suscetibilidade para estas e outras inúmeras doenças.
Equipa NutriGenome
Referências
[1] Corella D & Ordovás JM. Bioessays. How does the Mediterranean diet promote cardiovascular health? Current progress toward molecular mechanisms: gene-diet interactions at the genomic, transcriptomic, and epigenomic levels provide novel insights into new mechanisms. 36(5):526-37, 2014. [2] Gasper AV et al. Glutathione S-transferase M1 polymorphism and metabolism of sulforaphane from standard and high-glucosinolate broccoli. Am J Clin Nutr. 82(6):1283–91, 2005. [3] Riso P et al. Absorption of bioactive compounds from steamed broccoli and their effect on plasma glutathione S-transferase activity. Int J Food Sci Nutr. 60(Suppl 1):56–71, 2009. [4] Zhao HL et al. Genetic variation in ABC G5/G8 and NPC1L1 impact cholesterol response to plant sterols in hypercholesterolemic men. Lipids, 43(12): 1155–1164, 2008. [5] Contreras AV et al. PPAR-α as a key nutritional and environmental sensor for metabolic adaptation. AR. Adv Nutr. 1;4(4):439-52, 2013. [6] Rideout TC et al. Triglyceride-Lowering Response to Plant Sterol and Stanol Consumption. J AOAC Int. 98(3):707-15, 2015. [7] Sapone A et al. The human peroxisome proliferator-activated receptor alpha gene: identification and functional characterization of two natural allelic variants. Pharmacogenetics. 10:321–33, 2000. [8] Ferguson LR et al 2015. The role of vitamin D in reducing gastrointestinal disease risk and assessment of individual dietary intake needs: Focus on genetic and genomic technologies. Mol Nutr Food Res. 2015 Aug 7. doi: 10.1002/mnfr.201500243. [9] Haggarty P. Genetic and metabolic determinants of human epigenetic variation. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 18(4):334-8, 2015. [10]Shoemaker R1, Deng J, Wang W, Zhang K. Allele-specific methylation is prevalent and is contributed by CpG-SNPs in the human genome. Genome Res. 2010 Jul;20(7):883-9. [11] Lillycrop KA, Phillips ES, Jackson AA, Hanson MA, Burdge GC. Dietary protein restriction of pregnant rats induces and folic acid supplementation prevents epigenetic modification of hepatic gene expression in the offspring. J Nutr. 135:1382–6, 2005. [12] Benson AK1 et al. Individuality in gut microbiota composition is a complex polygenic trait shaped by multiple environmental and host genetic factors. Proc Natl Acad Sci U S A. 107(44):18933-8, 2010. [13]Denizot J et al. Diet-induced hypoxia responsive element demethylation increases CEACAM6 expression, favouring Crohn's disease-associated Escherichia coli colonisation. Gut. 64(3):428-37, 2015. [14] Aslibekyan S et al. Epigenome-wide study identifies novel methylation loci associated with body mass index and waist circumference. Obesity (Silver Spring). 23(7):1493-501, 2015. [15] de Vogel S et al. Dietary methyl donors, methyl metabolizing enzymes, and epigenetic regulators: diet-gene interactions and promoter CpG island hypermethylation in colorectal cancer. Cancer Causes Control. 2011 Jan;22(1):1-12.