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A leptina e o imprintig metabólico no período peri e pós-natal




Para uma prevenção mais eficaz da obesidade é necessário estabelecer biomarcadores preditores de um fenótipo metabolicamente saudável e/ou predisposição à obesidade. É reconhecido na literatura que a utilização isolada do Índice de Massa Corpal (IMC) no diagnóstico da obesidade é muito limitada. O projecto “Bioclaims” (BIOmarkers of Robustness of Metabolic Homeostasis for Nutrigenomics-derived Health CLAIMS Made on Food, FP7-244995, 2010-2015) pretende identificar e caracterizar biomarcadores genómicos para melhorar a identificação dos grupos de risco e otimizar as medidas de intervenção de maneira personalizada. Estes biomarcadores têm o potencial para auxiliar na classificação de indivíduos aparentemente saudáveis mas que estão num "estado de pré-obesidade".


Têm sido estudados como potenciais biomarcadores hormonas-chaves implicadas na regulação do peso corporal (ex: leptina), cujo desequilíbrio pode induzir o início de problemas metabólicos. O interessante é saber que alterações dos níveis plasmáticos predizem a evolução dos indivíduos até um estado obeso. Segundo Musaad e Haynes (2007), a leptina é um biomarcador com "boa utilidade clínica." [1] A leptina (grego leptos=magro), também designada por “hormona da obesidade”, é uma hormona peptídica, sintetizada maioritariamente pelos adipócitos do tecido adiposo branco, e em menores concentrações por outros órgãos e tecidos, incluindo o estômago (pelas células principais), placenta, músculo-esquelético e epitélio mamário. A sua síntese em humanos é determinada a partir da mensagem genética contida no gene da leptina (LEP, ENSG00000174697), localizado no braço curto do cromossoma 7.


A leptina integra o complexo sistema neuro-químico que regula o apetite/sensação de saciedade e o gasto energético (sistema hipotalámico leptina-melanocortina), actuando como um sinal indicador das reservas energéticas [2,3]. A leptina, por ser capaz de atravessar a barreira hematoencefálica, actua sobre diferentes núcleos hipotalámicos envolvidos no controlo do balanço energético e acumulação de gordura [3]. Em situações de excesso de leptina, ocorre a inibição da secreção de neurotransmissores orexigénicos (neuropeptídeo Y) e da proteína relacionada agouti (AgRP) para diminuir a ingestão de alimentos. A maior parte dos indivíduos obesos apresentam concentrações plasmáticas de leptina cinco vezes superiores do que aquelas encontradas em indivíduos magros, entretanto, apresentam resistência hipotalâmica à ação dessa hormona [4]. Isso ocorre em razão de uma "down-regulation" dos receptores centrais conduzindo a uma resposta metabólica inadequada caracterizada por: a) redução dos níveis metabólicos basais de gasto energético (a leptina regula a termogénese corporal através da transcrição do gene da proteína UCP (proteína desacopladora da fosforilação oxidativa); b) quadro de hiperfagia (ingestão excessiva de alimentos) [2,3,5].


Existem evidências científicas que afirmam que a leptina confere uma certa protecção contra o ganho excessivo de peso. Algumas linhas de investigação têm investigado o papel leptina na prevenção da obesidade durante a gestação e lactação. Sabe-se que estes períodos podem provocar uma resposta fisiológica no lactente, designada por “programação metabólica” (development programming) que funciona como uma mensagem de “memória” no organismo e pode perdurar na idade adulta [5]. Vários estudos indicam que uma má programação metabólica nestes dois períodos críticos de neurodesenvolvimento podem conduzir a um fenótipo mais propenso à obesidade na idade adulta devido a uma insensibilidade à leptina a nível neuronal.


Torna-se fulcral compreender de que forma as intervenções nutricionais podem interromper ou amenizar tais vias em momentos precoces do seu estabelecimento. Nesse sentido, é importante conhecer como a dieta da mãe e a dieta pós-natal do recém-nascido influenciam a programação metabólica na descendência. Os níveis de leptina plasmático dos recém-nascidos podem ter uma relação com a adiposidade da mãe. Estudos averiguaram que ratinhos nascidos de mães obesas tinham um perfil alterado nas concentrações de leptina pós-natal, os quais estavam associados a uma diminuição dos efeitos anorexigénicos da leptina, em razão de uma alteração na arquitectura dos circuitos neuronais hipotalâmicos, resultando em hiperfagia persistente e obesidade [10]. Estudos em modelo animal demonstraram que a suplementação oral de doses fisiológicas de leptina em ratos recém-nascidos durante o período de lactação está associada a uma menor quantidade de massa gorda na idade adulta [6,7]. Durante a lactação, o leite materno é a principal fonte de leptina uma vez que o trato gastrointestinal, ainda imaturo do recém-nascido, é capaz de absorver a leptina até à primeira metade da infância. Desta forma, a leptina do leite materno pode regular a alimentação a curto prazo quando os sistemas responsáveis pela regulação do apetite ainda são imaturos [8]. A leptina parece exerce um papel muito importante no desenvolvimento das estruturas hipotalâmicas no núcleo arqueado. Para corroborar esta hipótese, verificou-se que animais deficientes em leptina apresentam uma diminuição da densidade de estruturas neuronais implicadas na sinalização da leptina [9].


Estudos em humanos permitiram constatar que os bebés alimentados com leite materno apresentam menor prevalência de obesidade na idade adulta, quando comparados aos que receberam fórmula infantil (que não contêm leptina) [12].

Além questão da presença da leptina no leite materno com respeito às fórmulas infantis na protecção contra a obesidade, e de acordo com a “hipótese da proteína precoce” (The early protein hypothesis), a elevada ingestão de proteínas proveniente do consumo de fórmulas, conduz a um aumento no risco do ganho de peso na infância [13]. Segundo o estudo de intervenção em modelo animal conduzido por Lopéz e colaboradores (2010) [11], a suplementação da dieta materna com o aminoácido leucina (2%), promoveu um aumento de leptina no leite das mesmas que amamentou as suas respetivas crias. Quando se avaliou o risco das crias desenvolverem obesidade na idade adulta, quando exposta a uma dieta hipercalórica e hiperlipidica, observou-se que a prole do sexo masculino estava mais protegida do risco, enquanto nas fêmeas não se verificou um efeito protector.


A leptina apresenta um papel fundamental na programação metabólica da descendência durante os períodos perinatal e pós-natal, por ser capaz de modular a nível hipotalámico a expressão de neuropéptidos relacionados com a regulação da ingestão e balanço energético, o que se traduz em consequências a longo prazo sobre o peso corporal e adiposidade. O fato de ser receber leptina através do leite materno parece previne o fenómeno de resistência à acção da leptina, uma das causas de obesidade em humanos. O estímulo ao aleitamento materno deve ser considerado como uma estratégia na prevenção de doenças metabólicas.


A Organização Mundial de Saúde preconiza o aleitamento materno exclusivo (pelo menos até os 6 meses) e complementar (até os 2 anos de idade) para uma menor incidência de obesidade. São necessárias mais investigações para identificar os níveis óptimos de leptina no leite materno que permitam o uso da leptina como uma hormona para fins terapêuticos (ex: incorporar leptina nas fórmulas infantis) e um maior conhecimento sobre o impacto dos macronutrientes/micronutrientes nas concentrações séricas de leptina. Estes conhecimentos irão permitir uma intervenção nutricional mais eficaz nos períodos críticos do desenvolvimento (pré-concepcional, gestacional e pós-natal).


Equipa NutriGenome


Referências:

1-Musaad, S. & Haynes, E. N. (2007). Biomarkers of obesity and subsequent cardiovascular events. Epidemiological Reviews. 29, 98-114. 2 -Masuzaki H, Ogawa Y, Sagawa N, et al.(1997). Nonadipose production of leptin: leptin as a novel placenta-derived hormone in humans. Natural Medicine. 3, 1029-1033. 3- Cripps, R. L., M. S. Martin-Gronert, Z. A. Archer, C. N. Hales, J. G. Mercer and S. E. Ozanne (2009). Programming of hypothalamic neuropeptide gene expression in rats by maternal dietary protein content during pregnancy and lactation. Clin Sci (Lond). 117: 85-93. 4- Gomes, F.; et al. Obesidade e Doença Arterial Coronariana: Papel da Inflamação Vascular. ArqBrasCardiol, v. 94(2), p. 273-279, 2010. 5- Palou, A., Sánchez, J. and Picó, C. (2009) Nutrient-gene interactions in early life programming: leptin in breast milk prevents obesity later on in life. Adv Exp Med Biol. 646, 95-104 6-Oliver, P., Pico, C., De Matteis, R., Cinti, S. and Palou, A. (2002) Perinatal expression of leptin in rat stomach. Dev Dyn. 223, 148-154. 7-Sanchez, J., Oliver, P., Miralles, O., Ceresi, E., Pico, C. and Palou, A. (2005) Leptin orally supplied to neonate rats is directly uptaken by the immature stomach and may regulate short-term feeding. Endocrinology. 146, 2575-2582 8 -Bouret, S. G. (2009). "Early life origins of obesity: role of hypothalamic programming." J Pediatr Gastroenterol Nutr 48 Suppl 1: S31-38. 9- Picó, C., P. Oliver, J. Sánchez, O. Miralles, A. Caimari, T. Priego and A. Palou (2007). "The intake of physiological doses of leptin during lactation in rats prevents obesity in later life." Int J Obes (Lond) 31(8): 1199-1209. 10 - Kirk, S. L., A. M. Samuelsson, M. Argenton, H. Dhonye, T. Kalamatianos, L. Poston, P. D. Taylor and C. W. Coen (2009). "Maternal obesity induced by diet in rats permanently influences central processes regulating food intake in offspring." PLoS One 4(6): e5870. 11-López, N., Sánchez, J., Picó, C., Palou, A. & Serra F. (2010).”Dietary l-leucinesupplementation of lactating rats results in a tendency to increase lean/fat ratio associated to lower orexigenic neuropeptide expression in hypothalamus”. Peptides 31, 1361-1367, 12 - Miralles, O., J. Sánchez, A. Palou and C. Picó (2006). "A physiological role of breast milk leptin in body weight control in developing infants." Obesity (Silver Spring) 14(8): 1371-1377. 13- Koletzko, B., von Kries, R., Monasterolo, R. C., Subías, J. E., Scaglioni, S., Giovannini, M., Beyer, J., Demmelmair, H., Anton, B., Gruszfeld, D., Dobrzanska, A., Sengier, A., Langhendries, J. P., Cachera, M. F., Grote, V. and Group, E. C. O. T. S. (2009) Infant feeding and later obesity risk. Adv Exp Med Biol. 646, 15-29


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