O papel da vitamina A no controlo do metabolismo lipídico e na adiposidade corporal
A genómica nutricional é uma ciência que tem o objetivo de refinar os atuais conhecimentos em nutrição, com enfoque molecular. Elaborar estratégias dietéticas de acordo com a nossa informação genética tem permitido individualizar o atendimento nutricional clínico na redução do risco ou no tratamento de doenças, como a obesidade. Embora muitos dos estudos conduzidos na área da genómica nutricional estejam a contribuir para um melhor entendimento sobre a interação entre os fatores ambientais (como padrão de alimentação, estilo de vida, exposição a patógenos e fármacos, etc) e genómicos (e.g. polimorfismos de nucleótidos únicos, mecanismos epigenéticos), algumas destas questões ainda não foram totalmente elucidadas: - Que nutrientes e/ou compostos bioativos da alimentação têm efeitos benéficos para a perda de peso? - Como exercem esses efeitos? - Quais as vias metabólicas afectadas?
- Que quantidades são necessárias?
- De que forma os compostos nutricionais são mais efectivos, isolados ou combinados?
-Como variam as necessidades nutricionais de acordo com as características genéticas, culturais, idade e género?
Como o sistema de controlo de peso é complexo, é interessante conhecer a bioactividade específica de determinado nutriente e a sua relação com tal sistema, bem como os seus mecanismos de acção. Estudos nutrigenómicos, por exemplo, que avaliam como os nutrientes modificam o padrão de expressão genética, têm-se debruçado sobre o papel dos compostos isoprenóides, em particular as ações da vitamina A, uma vitamina lipossolúvel, no controlo da adipogénese.
A concentração sérica de retinol (forma ativa de vitamina A) é o principal indicador bioquímico para avaliar o estado nutricional do indivíduo em relação à vitamina A. O organismo produz retinol principalmente a partir do beta-caroteno existente em legumes e frutas de cor amarelo-laranja (ex: laranja, cenoura, abóbora). Tem sido sugerido na literatura que a vitamina A, por meio dos derivados de retinóides metabolicamente ativos, regula as reservas de gordura corporal. Os exatos mecanismos ainda estão em fase de investigação, mas ao que tudo indica parece ser em razão da superexpressão dos seus respetivos recetores metabólicos nos depósitos adiposos viscerais [1]. Explicações plausíveis para estas interações incluem principalmente o papel protetor que os retinóides parecem exercer na regulação fisiológica do tecido adiposo castanho. Tem sido descrito que vitamina A afecta a capacidade adipogénica de forma dependente das doses: em concentração relativamente altas e em etapas precoces do processo, ela inibe a diferenciação das linhas celulares de pré-adipócitos em adipócitos, enquanto em concentrações baixas exerce efeito contrário potenciando o processo de adipogénese, ou seja, a maturação e expressão de pré-adipócitos em adipócitos. O ácido retinóico (AR) consegue participar na diferenciação e proliferação celular de diversos tecidos, modificando, em nível transcricional, a expressão dos genes alvo por meio da ligação aos seus receptores nucleares, os recetores X de retinóides (RXR) e os recetores de ácido retinoico (RAR). Estes receptores atuam sob a forma heterodimérica ligando-se especificamente a regiões promotoras, denominadas elementos de resposta ao ácido retinoico (RARE). A hipótese levantada na literatura é que uma vez que o AR consiga se ligar aos RAREs, os RARs bloqueiam a actividade de certos fatores de transcrição adipogénicos, em particular o C/EBPβ, envolvido nas primeiras etapas do processo de diferenciação dos pré-adipócitos. Assim sendo, uma deficiência de vitamina A parece aumentar a transformação dos pré-adipócitos a adipócitos, inibir a apoptose e reduzir a lipólise basal, contribuindo para a obesidade. Como o tecido adiposo castanho é pouco abundante em humanos, uma possível estratégia anti-obesidade poderia basear-se na indução da transdiferenciação dos adipócitos brancos maduros em adipócitos castanhos. Um estudo verificou que o tratamento com AR em modelo animal (injecção subcutânea diária durante quatro dias anteriores ao sacrifício dos animais) causou redução da adiposidade corporal graças ao aumento da capacidade termogénica do tecido adiposo castanho e pela indução do gasto energético aumentado mediado pelo aumento da actividade das UCPs no músculo esquelético [2]. Verificou-se que o retinol activa os genes Ucp1 e Ucp3 porque ambos contêm elementos de resposta ao AR nas suas regiões promotoras, aos quais o heterodímero RAR-RXR se liga. Apesar das sugestivas associações entre défice de vitamina A e obesidade [3,5] ainda não se estabeleceu se a deficiência da vitamina A pode estar envolvida como fator etiológico ou como sua consequência. [3,5].
O fato de a vitamina A também ser capaz de modular a expressão de adipocitoquinas relacionadas com a resistência à insulina, como a resistina e a RBP4 (proteína ligante de retinol 4) pode ser parcialmente explicada [2]. Um estudo recente observou que a RBP4 induz macrófagos a produzirem interferon-gamma (IFN-γ), uma citocina pró-inflamatória que em excesso interfere na sinalização dos adipócitos e conduz a insulinorresistência [4]. Um outro estudo tentou melhor explorar a relação entre a vitamina A e processos inflamatórios em população com obesidade de grau severo. Constatou-se que os indivíduos com obesidade mórbida e com valores de PCR (proteína C reativa – indicador de inflamação) entre 8 a 69 mg/dL apresentavam concentrações séricas inferiores de vitamina A, comparados ao grupo de controlo (peso normal) [5]. Interessantemente um estudo recente identificou que variações genéticas em 12 genes modularam a absorção e o metabolismo pós-prandial do beta-caroteno, sugerindo que populações com diferentes frequências alélicas em relação a esses SNPs podem apresentar capacidade diferente de absorver o beta-caroteno dietético [6]. Estudos como estes podem contribuir imenso para tentar explicar esta lacuna de conhecimento ainda existente que correlaciona o status nutricional de vitamina A com a modulação do risco da obesidade, de acordo com o background genético. Em resumo, observa-se na literatura sugestão importante de que o AR é um potente regulador das reservas de gordura corporal, por meio da sua acção genómica e anti-inflamatória, o que se correlaciona, em modelo animal, com um possível efeito anti-obesidade. Tendo em conta as evidências até então disponíveis, é relevante que estudos futuros procurem explorar o impacto de variações genéticas sobre as concentrações séricas de vitamina A, tendo em conta a existência de uma deficiência sub-clínica de vitamina A em pacientes não obesos, com sobrepeso e obesos.
Por fim, estes estudos sobre a vitamina A e os seus metabolitos bioactivos poderão contribuir não somente na identificação de novos alvos e mecanismos moleculares reguladores da homeostase energética, mas também para orientar melhor o tratamento personalizado da obesidade. Equipa NutriGenome.
Referências:
1. Asha GV et al. Male mice are susceptible to high fat diet-induced hyperglycaemia and display increased circulatory retinol binding protein 4 (RBP4) levels and its expression in visceral adipose depots. Arch Physiol Biochem. 2015 Nov 30:1-30. 2. Mercader et al. Remodeling of white adipose tissue after retinoic acid administration in mice. Endocrinology 2006; 147: 5325-533 3. BonetML, RibotJ, Palou A. Lipid metabolism in mammalian tissues and its control by retinoic acid. BiochimBiophysActa. 2012;1821:177-89 4. Moraes-Vieira PM, Yore MM, Dwyer PM, Syed I, Aryal P, Kahn BB. RBP4 activates antigen-presenting cells, leading to adipose tissue inflammation and systemic insulin resistance. Cell Metab. 2014;19512-26 5. Aasheim ET, Hofs D, Hjelmesaeth J. Vitamin status in morbidly obese patients: a cross-sectional study. The American Journal of Clinical Nutrition 2008; 87: 362-329. 6. Borel P et al. A Combination of Single-Nucleotide Polymorphisms Is Associated with Interindividual Variability in Dietary β-Carotene Bioavailability in Healthy Men. J Nutr. 2015 Aug;145(8):1740-7. doi: 10.3945/jn.115.212837.